Mayara Mattos
Vou aproveitar
o gancho do texto da Carol
(http://blogterceiroopiniao.blogspot.com.br/2015/04/oamor-tem-cor-1-muitas-mulheres-negras.html)
para continuar falando com as mulheres. Nas últimas semanas as notícias mais
lidas e que entraram nos círculos de debates (principalmente via facebook)
foram casos que envolviam violências de gênero[1].
No dia internacional da mulher
(detalhe: tinha acabado de voltar do DiversaS:
Feminismo, Arte e Resistência, evento de muita sororidade e força, organizado
por mulheres maravilhosas), entrei numa discussãoem que um homem cis*
hetero branco e de classe média alta defendia em uma postagem no Facebook que
não há necessidade das mulheres se vitimizarem para alcançar seus objetivos. O
post é de uma mulher branca segurando um cartaz em que ela se posiciona contra
o feminismo[2].
Descobri depois que existem alguns canais de mulheres que se dizem contra o
movimento e ridicularizam mulheres emancipadoras[3].
Isso não me assustou muito, pois compartilho das proposições de Paulo Freire
que defendem que enquanto a educação não for realmente libertária, a tendência
do oprimido é uma dia querer se tornar o opressor. Além de que, sugiro que essa
resistência que algumas mulheres possuem em relação aos movimentos feministas
talvez aconteça devido ao alinhamento de muitas de nós a posições
delimitadamente de esquerda, o que contraria aquelas em suas posturas
neo-liberais, em que a preocupação maior gira em torno de uma maior inserção da
mulher no mercado de trabalho, ou seja, a uma emancipação quase exclusivamente
econômica.
Decidi escrever esse texto no
intuito de esclarecer porque os feminismos (sim, no plural, pois não existe uma
pauta com uma direção para o movimento e a luta é interseccional), são
fundamentais nas desconstruções de processos naturalizados, como o que a Carol
explicita no texto da semana passada, além de serem preponderantes na luta que
visa o empoderamento feminino e contra o "cistema" sexista. Talvez,
com esse tipo de reflexão fique mais fácil entender essas questões que são tão
caras as feministas e muitas vezes ridicularizadas não só pelos machos alfa
como também por mulheres que dizem não compartilhar da luta.
A postagem em questão não é um caso isolado,
comentários que direcionam os movimentos feministas para a lógica da
vitimização são constantes (passei por uma situação, poucos dias antes,
envolvendo uma agressão a uma mulher que também foi desclassificada por um
homem cis, afirmando não ter ocorrido machismo no caso em questão), isso ocorre
até mesmo entre os revolucionários de esquerda[4]
e com muito mais frequência do que se imagina. Cansei de ouvir todos os tipos
de chacotas e insultos ao me posicionar como feminista, seja no sentido de
desmerecer o movimento ou como simples alegoria de uma mulher que quer estar na
posição de um homem, inclusive acionando o termo feminazi, que pretende alinhar
às feministas a posições de intolerâncias quanto aos homens (Desculpem por não
querer me submeter e ser benevolente com seu machismo, ops… nenhuma desculpa).
Muitos desses comentários esboçavam um completo desconhecimento a respeito dos
movimentos feministas e das diversas pautas em proposição. Assuntos de
"mulheres" tendem, realmente, a serem invisibilizados, os espaços de
discussão são minimizados e relegados a futilidades, e é assim que muita gente
generaliza o feminismo. Os machismos diários estão nos detalhes[5].
Quando digo que a luta é
interseccional, penso exatamente nas categorias que se cruzam, desenvolvendo
uma postura mais voltada a questões de gênero, classe ou raça, a depender da
trajetória que cada sujeitx foi traçando. É muita inocência achar que pelo fato
de alguns setores da esquerda defenderem a dissolução de todos sistemas de
privilégios, esses discursos serão completamente absorvidos por todas as
pessoas de modo semelhante. Somente uma mulher (cis ou trans) sabe as dores que
o machismo e a misoginia imputam diariamente, quem sofre as mais variadas formas
de violências, nesses processos, são corpos femininos. E se levarmos em
consideração o intercruzamento das categorias identitárias, os corpos de
mulheres negras/indígenas e pobres estão muito mais vulneráveis aos interpostos
do patriarcado.
É por isso que me irrita
profundamente o fato de homens se sentirem no direito de afirmar se uma mulher
sofreu ou não machismo, e pensando por essas identidades múltiplas, o que faz
um homem ou uma mulher branca achar que ele/ela sabe exatamente o que uma mulher
negra e/ou pobre quer e/ou precisa ou como ela deveria viver? Pra quem nunca sofreu racismo, machismo, homofobia
(lembrando que isso pode acontecer tudo junto) nem qualquer outro tipo de
segregação/opressão, nunca vai saber o que é estar na posição do oprimido,
mesmo quem adere aos movimentos e se dizem progressistas ainda não podem se
colocar nesse lugar, a fala do negro/da mulher/e qualquer grupo em situação de
desigualdade deve ser sempre respeitada. Homens brancos tendem a querer pautar
qualquer discussão como se fossem sempre especialistas, pois acostumaram a
serem legitimados e autorizados em se posicionar com muita facilidade no lugar
dos "outros".
Iniciei esse texto expondo os
recentes casos de violência de gênero, as quais poderíamos incluir (infelizmente)
uma longa lista, inclusive o caso hediondo de agressão sofrida por Verônica
Bolina[6], trans torturada e exposta
a grande humilhação por agentes estatais. Fatos menos chocantes, mas não menos
violentos, como o caso de um professor de direito da PUC[7] que afirmou em sala de
aula que "leis e mulheres foram feitas pra serem violadas" também
demonstram a enorme defasagem que a falta de discussão em termos colocados
pelos feminismos pode causar.
Machismo, lesbofobia, transfobia,
sexismo… tudo isso mata. Feminismo empodera mulheres, constrói relações mais
horizontais, discute e tenta proporcionar uma dinâmica de vida que contemple as
especificidades femininas, respeitando a diversidade e desconstruindo
normatizações que só servem aos interesses do Estado patriarcal. Por isso,
convido quem não conhece ou não leu o suficiente a respeito, que se informe a
partir dos textos sugeridos (ou por meio de outros também) e se abram para
espaços mais inclusivos de discussão e autonomia. Que aprendam a dividir
privilégios, não monopolizando suas categorias apenas para interesses que o
satisfaçam, que se juntem às mulheres, não para falar sobre elas, mas para
construir com elas, respeitando seus lugares de falas e atentando a possíveis
opressões que podem ocorrer nas diferentes relações cotidianas.
Assim, "seguiremos em luta até
que todas sejamos livres!"
* O alinhamento cis envolve um sentimento interno de
congruência entre seu corpo(morfologia) e seu gênero, dentro de uma lógica onde
o conjunto de performances é percebido como coerente. Em suma, é a pessoa que
foi designada “homem” ou “mulher”, se sente bem com isso e é percebida e
tratada socialmente (medicamente, juridicamente, politicamente) como tal.
[1]https://www.facebook.com/photo.php?fbid=806667562719747&set=a.104305859622591.8793.100001295328469&type=1&theater
[2]https://www.facebook.com/institutoliberaldesaopaulo/photos/a.1614901325402014.1073741827.1614894922069321/1790181301207348/?type=1&theater
[3] https://mulherescontraofeminismo.wordpress.com/2015/03/08/o-dia-internacional-da-mulher-e-uma-mentira-feminista-criada-por-esquerdistas/