- Êpa, essa viagem foi muito rápida! - Tô com muito calor! Essa roupa laranja é um inferno. - C viu? Quase morreu. Foi um grande estouro. - Os portões da escolha foi aberto. Saiu um monte de gente de uma vez. Encavalou. - Frita pastel e coxinha Rute. - Vô leva esse pilantra no pau! Zé subiu no andaime. Maria chegou na casa de Andreia para cuidar do Pedrinho. Raimundo acabou desistindo de faltar ao trabalho. Laura faltou e comprou um atestado na praça 7. Ninguém aqui é vítima. Ninguém aqui sou eu.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Da banalidade do mal a efemeridade dos atos – é preciso pensar!

João Henrique de Sousa

Jogo do Barcelona contra o Villareal. O lateral-direito do Barcelona se prepara para bater um escanteio, quando de repente um torcedor joga uma banana no gramado. Em uma atitude sem muita reflexão, creio eu, dado o frenesi do jogo, o jogador se dirige até a banana, descasca-a e a come. Banana para o macaco? Sim, esse era o recado do torcedor, que acompanhava o jogo no estádio, em pleno século XXI, em um tempo em que o preconceito contra o negro deveria ser alvo de vergonha - deveria.
A cena é emblemática e frequentemente vista no cotidiano dos esportes, ou melhor, no cotidiano (e ponto). Não quero aqui me deter especificamente na questão do preconceito ou em como o negro vem sofrendo ao longo da humanidade (Humanidade?). Gostaria de produzir um estopim para se pensar a banalidade desses atos e como são efêmeros. O mal que se exerce sem pensar é banal, nos diz Hannah Arendt. A incapacidade de pensar produz atos que conduzem à superficialidade da reflexão. Digo: negros são como macacos, macacos comem banana, negros devem comer banana. E, de geração em geração,esse gerenciamento de condutas é reproduzido.
Estou em defesa do pensamento. É preciso pensar! Talvez, mais do que nunca, caminhamos em uma direção em que o pensar se coloca como única solução para alocar o homo, quiçá não mais sapiens, ao status de humano. Pensar, para que se evite o mal. Não estou falando do mal que a religião prega. Tão pouco do mal propagado pelos perversos, que ultrapassam a lei como imperativo para gozar a vida. Digo do mal que exercemos. O mal que nos faz olhar pra trás e repudiar os tempos de escravidão, mas ao mesmo tempo nos faz agredir e amarrar, nos dias atuais, um adolescente, fruto desta sociedade, a um poste. “Sim, ele era culpado”. Diria a mente fruto da banalidade do mal.
Resistir é necessário diante de uma sociedade que caminha a passos lentos, ora retrocessos e, ingenuamente, crê avançar em direção da civilização. Barbáries seguidas de barbáries, bananas seguidas de bananas. E há quem diga, defenda e levante a causa de que todos nós somos macacos. Resta-nos um pouco de consciência (quem sabe decência) que nos faz desconfiar do discurso midiático, que sempre quer sua fatia do bolo, ainda que esse se produza em meio à desgraça.
Em outros tempos Nietzsche diria que todos nós somos humanos. Mas, o humano, demasiado humano, que rompeu as realidades eternas e as verdades absolutas quase não existe mais. Assistimos cenas como as relatadas aqui e basta um comercial para que nossa memória associe outra informação e apague aquela cena. Qual cena mesmo? Ah sim, estreia da novela das seis.
Assim como o mal é banal, os atos são efêmeros. Esquecemos! O povo esquece. E, por esquecer, repete-se novamente aquilo que outrora fora assustador. Ora, não devemos nos levar pela superficialidade das coisas. É preciso pensar! (Eis os mantra da minha reflexão). No imediatismo do cotidiano, nas centenas de atividades que somos aturdidos, é parando e pensando que atingiremos um modo de vida crítico, ético e coerente com o ser (estar na condição de) humano.
O fato é que para pensar devemos estar só. E em uma sociedade na qual a busca pela completude se torna questão de vida e/ou morte, ninguém deseja estar só. Confundem essa necessidade com a solidão, sendo essa uma completa ausência de tudo, inclusive de si mesmo. Mas, estar só circunscreve o sujeito na dimensão de estar consigo mesmo e, estando consigo mesmo, se torna capaz de refletir sobre seus desejos, suas ações e sua conduta. É preciso entrar em desacordo consigo mesmo e promover a desconstrução das verdades arquitetadas ao longo da história, dos preconceitos engendrados ao longo da vida e do engessamento produzindo por meio de ensinamentos descontextualizados da realidade sociocultural.
Pensar é investigar a parte oculta do icerberg e, para tal, faz-se necessário o desprendimento das formas, daquilo que está dado. É preciso dirigir o olhar ao outro e perceber que o outro é humano, sem ser macaco; é sujeito, sem ser objeto. Recorro à Arendt, novamente, para dizer que são incapazes de se manterem na companhia de si mesmos os que se sucumbem à condutas mediante a ausência de pensamento. São seres que caminham na superficialidade da vida e reproduzem modos de assujeitamento e práticas que inviabilizam a concretização da liberdade.

4 comentários:

  1. Meu caro... gostei do seu texto, mas cá refletindo sobre ele me vem a pergunta: mal pra quem? Depende sempre do ponto de vista. Por exemplo, o mal que repudiamos quando lembramos da escravidão possui historicidade, uma vez que até a Inglaterra suprimir a escravidão em suas terras (por interesses econômicos), a escravidão tinha base ideológica (cientificamente “comprovada”), leia-se, era aceita e planejada por quem “pensava”.
    Sinceramente não acredito que o ato de pensar exonere o mal e nos leve a uma sociedade “civilizada”. A civilização sem “maldades” só existe sem o ser humano, daí minha descrença no Anarquismo (que no papel é muito interessante mas...). O responsável por uma sociedade sem fraternidade, somos nós mesmos HOMO SAPIENS. O problema é o ser humano... e vou citar a frase que mais me remete a isso, dita pelo incrível Sr. Smit do filme Matrix: “vocês são o câncer do mundo”. Filme muito bom por sinal, melhor se a Matrix tivesse vencido, nesse caso por exemplo essa sua angustia, que também é minha, não existiria.

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    1. Isso mesmo Charles. A pergunta - mal pra quem? - é mais que pertinente. E é justamente por isso que Hanna Arendt defende a tese da banalidade do mal. O que é mal pra um pode ser, para outro, apenas cumprimento de ordem. O oficial que conduzia os judeus para os campos de concentração não julgava estar fazendo algo bom ou mau, estava apenas cumprindo ordens. (ver Eichmann em Jerusalém). Agora, a importância do pensamento está em diferenciar o pensar, enquanto atividade filosófica, e o pensar, enquanto atividade cognitiva.

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  2. Ótimo texto João!!! Reiterando: Não somos todos macacos, somos todos sujeitos de um mundo em que a agência de alguns inspira ódio e preconceito.

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    1. Obrigado Mayara. Ótimo o uso da palavra "agência", que agencia comportamentos.

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