Mariana – marianantunes@gmail.com
“Não sei, não sei. Não devia de estar relembrando
isto, contando assim o sombrio das coisas. Lenga-lenga! O senhor é de fora, meu
amigo mas meu estranho. Mas, talvez por isto mesmo. Falar com o estranho assim,
que bem ouve e logo longe se vai embora, é um segundo proveito: faz do jeito
que eu falasse mais mesmo comigo”.
Escrever não é tarefa fácil. Sempre que
me proponho a colocar palavras que façam minimamente algum sentido juntas num
espaço em branco sofro com inúmeros pensamentos. Um verdadeiro bombardeio!
Posto isto, é preciso dizer: tenho (hoje) certa fé na vida e nos seus agenciamentos.
Todas as vezes que busquei sintetizar alguma vivencia no papel, me coloquei a
observar. Observar para apreender algo de novo. Algo qualitativamente diferente
da minha habitual maneira de ser, pensar e vivenciar a vida. Talvez por isso
seja tão difícil. Exige-me um novo olhar.
Não se espantem se vez ou outra, quando
bem dispostos (por que é preciso estar disposto de verdade), ao olhar à vida
com desejo de novos desdobramentos ela te surpreenda com inúmeras situações
inquietantes, vivas de possibilidades e colocadas com muito carinho à sua
frente. É, de fato, o que acontece.
Por inúmeros motivos estou hoje
escrevendo sobre o olhar, pois mesmo que a vida colabore, é preciso ter olhos
de ver: capazes de captar o diferente e o potente em cada recomeço. Mas como
escrever sobre tema tão sutil? Recorro a Guimarães Rosa para justificar a
simplicidade desta fala. Ponderações! É disso que se trata este texto. Questões
sobre o olhar, a percepção do mundo, de si mesmo e do outro que venho me
fazendo. Este texto é também um convite: conversa comigo?
Eu me revoltava
com frequência. Pessoa inquieta, cheia de verdades sobre o mundo e sobre o
outro, sobre como as coisas deveriam ser, sobre como todos juntos poderíamos
mudar o mundo. Verdades relacionadas a discursos que defendiam a humanidade de
suas atrocidades. Em cada menor situação, eu já possuía logo uma opinião
(formulada não necessariamente por mim) sobre isso ou aquilo. Falácias...
A vida tem suas
rasteiras. Há enganos por todos os lados, mas é pior quando o enganado se
considera o dono da bola. Vivi essas rasteiras até me dar conta (perceber!) que
tenho uma esfera muito limitada de influencia (o que não significa menos
importante!): eu mesma. Há atrocidades no mundo e a questão que me coloco
atualmente é: o que fazer com elas? Sinceramente tento não perder a esperança,
pois é preciso acreditar minimamente em algo, e escolho acreditar na
possibilidade que hoje vejo ao meu alcance ao invés de tentar resolver tudo de
maneira despótica e autoritária. Quem sou eu para saber sobre o que é melhor
para o mundo? Preciso, ao contrário, ao me deparar com esse mesmo mundo tão
heteromorfo, me posicionar. Quão potente pode ser um posicionamento? Como um
posicionamento verdadeiramente pensado e vivido pode reverberar? É preciso
sensibilizar, e estou inclinada a dizer: tanto o outro como a si mesmo.
Há cerca de
quinze dias tive o prazer de vivenciar uma situação curiosa. Dessas que a vida
coloca com carinho à nossa frente. Estava com uma amiga em um belo café de Belo
Horizonte esperando o inicio de uma entrevista. Não importa agora, em que café
ou qual foi esta entrevista. Meu olhar foi desviado para o lugar ao lado do
meu. Fomos, eu e esta minha amiga, convidadas por uma solitária senhora a
dividir a mesa. Consentimos com um meneio de cabeça e um sorriso: ela poderia
sentar-se à nossa mesa. Feito este consentimento continuamos conversando...
Sobre a vida! Falávamos sobre a vida. Surgiram argumentos, opiniões,
histórias... Pensávamos sobre como anda o mundo e o que andam fazendo do mundo
algumas pessoas, amigas ou não. Comemos uma porção de batatas fritas absorvidas
pela conversa. Sobre a vida há sempre muita coisa a ser dita... Como fomos
distraídas!
Poucos minutos
após o fim da porção de batatas aquela mesma solitária senhora se vira para as
duas moças que dividiam A MESA com ela e diz: “Vocês se importam de dividir uma
porção comigo? Eu pago. Não aguentaria comer tudo sozinha.” Fiquei sem reação.
Nossa cara foi ao chão. Que vergonha! Estávamos dividindo a mesa... De que
adianta ter ‘uma opinião formada sobre tudo’? Não é disso que se trata. De que
vale o meu saber se ele não for importante para fazer com que eu perceba esse
outro (qualquer outro) que está ali ao meu lado me convidando: seja menos
exclusivista, menos segregacionista, menos... menos... menos... Bem menos!
Nem só de
opiniões e batatas vive o homem. E aí então, as batatas e as opiniões que até
então ocuparam aquela mesa se desintegraram do meu campo de visão e eu só pude
pensar: quanta incoerência podemos comportar em nossas ações mesmo quando bem
intencionados!? Falar é fácil e opinar corrobora para a configuração de uma
imagem pessoal plausível de admiração. Mas o quanto estamos de fato implicados
naquilo que defendemos?
Enfim... Urgente, é se sensibilizar. Ser preciso é
saber o que se está dizendo. Melhor dizendo, é ser capaz, minimamente, de
exercer certa coerência na (própria) vida. Terceiro: há uma posição. Posição
que implica, necessariamente, sob qual perspectiva você, eu, cada um que compõe
qualquer espécie de ‘nós’, percebe o todo e o relativo. Posição,
necessariamente, que funda atitudes engendradas e reverberadas socialmente.
Seu texto é maravilhoso... Após a leitura, me peguei pensando como a "vida" age sobre nós e me lembrei quanto é difícil, para mim, ser racional em determinadas situações, em sala de aula, no trânsito, no casamento, com amigos e apesar de tanto ler, estudar e "pensar", quando em vez me percebo em atitudes individualistas e desconectadas.
ResponderExcluirVenho pensado muito que é a própria exigência de coerência e racionalidade o que faz com que, na prática, nos tornemos alheios ao que acontece ao nosso redor, conosco inclusive. Porque não só "nós mesmos" nos agenciamos. O comércio/café agencia uma série de relações possíveis a partir do isolamento, da demarcação frente aos outros espaços. Aqui se fala sobre isso, ali se fala sobre aquilo. A mesa agencia, o idioma agencia, a batata agencia! O eu, no meu entender, é composto, e o meu entender é também composto, porque não estou dizendo isso sozinho, mas repetindo isso que esse eu, composto, pensa, em ressonância aos seus pensamentos no café, que narrativamente foram esses que estão materializados agora na tela do meu pc, que eu não produzí, mas comprei, aliás, passando pelas dobras entre o legal, o ilegal e o ilícito e que me agencia agora a poder dialogar com vocês dois, mariana e charles.
ResponderExcluirÉ louco, isso! E concordo totalmente com a necessidade de posicionamentos, mais sérios, mais nossos, não encapsulados em nós mesmos. A necessidade de nos posicionarmos está nos muros, nas leis aprovadas, nos mandos e desmandos do poder econômico frente à vontade popular... Somos todxs caixas de ressonância vibrando, reverberando... Terceiro.