João Henrique de Sousa
Jogo do Barcelona
contra o Villareal. O lateral-direito do Barcelona se prepara para bater um
escanteio, quando de repente um torcedor joga uma banana no gramado. Em uma
atitude sem muita reflexão, creio eu, dado o frenesi do jogo, o jogador se dirige até a banana, descasca-a e a
come. Banana para o macaco? Sim, esse era o recado do torcedor, que acompanhava
o jogo no estádio, em pleno século XXI, em um tempo em que o preconceito contra
o negro deveria ser alvo de vergonha - deveria.
A cena é emblemática e
frequentemente vista no cotidiano dos esportes, ou melhor, no cotidiano (e
ponto). Não quero aqui me deter especificamente na questão do preconceito ou em
como o negro vem sofrendo ao longo da humanidade (Humanidade?). Gostaria de
produzir um estopim para se pensar a banalidade desses atos e como são
efêmeros. O mal que se exerce sem pensar é banal, nos diz Hannah Arendt. A
incapacidade de pensar produz atos que conduzem à superficialidade da reflexão.
Digo: negros são como macacos, macacos comem banana, negros devem comer banana.
E, de geração em geração,esse gerenciamento de condutas é reproduzido.
Estou em defesa do
pensamento. É preciso pensar! Talvez, mais do que nunca, caminhamos em uma
direção em que o pensar se coloca como única solução para alocar o homo, quiçá não mais sapiens, ao status de humano. Pensar, para que se evite o mal. Não estou
falando do mal que a religião prega. Tão pouco do mal propagado pelos
perversos, que ultrapassam a lei como imperativo para gozar a vida. Digo do mal
que exercemos. O mal que nos faz olhar pra trás e repudiar os tempos de
escravidão, mas ao mesmo tempo nos faz agredir e amarrar, nos dias atuais, um
adolescente, fruto desta sociedade, a um poste. “Sim, ele era culpado”. Diria a
mente fruto da banalidade do mal.
Resistir é necessário
diante de uma sociedade que caminha a passos lentos, ora retrocessos e,
ingenuamente, crê avançar em direção da civilização.
Barbáries seguidas de barbáries, bananas seguidas de bananas. E há quem diga,
defenda e levante a causa de que todos nós somos macacos. Resta-nos um pouco de
consciência (quem sabe decência) que nos faz desconfiar do discurso midiático,
que sempre quer sua fatia do bolo, ainda que esse se produza em meio à
desgraça.
Em outros tempos Nietzsche
diria que todos nós somos humanos. Mas, o humano, demasiado humano, que rompeu
as realidades eternas e as verdades absolutas quase não existe mais. Assistimos
cenas como as relatadas aqui e basta um comercial para que nossa memória
associe outra informação e apague aquela cena. Qual cena mesmo? Ah sim, estreia
da novela das seis.
Assim como o mal é
banal, os atos são efêmeros. Esquecemos! O povo esquece. E, por esquecer,
repete-se novamente aquilo que outrora fora assustador. Ora, não devemos nos
levar pela superficialidade das coisas. É preciso pensar! (Eis os mantra da
minha reflexão). No imediatismo do cotidiano, nas centenas de atividades que
somos aturdidos, é parando e pensando que atingiremos um modo de vida crítico,
ético e coerente com o ser (estar na condição de) humano.
O fato é que para pensar
devemos estar só. E em uma sociedade na qual a busca pela completude se torna
questão de vida e/ou morte, ninguém deseja estar só. Confundem essa necessidade
com a solidão, sendo essa uma completa ausência de tudo, inclusive de si mesmo.
Mas, estar só circunscreve o sujeito na dimensão de estar consigo mesmo e,
estando consigo mesmo, se torna capaz de refletir sobre seus desejos, suas
ações e sua conduta. É preciso entrar em desacordo consigo mesmo e promover a
desconstrução das verdades arquitetadas ao longo da história, dos preconceitos
engendrados ao longo da vida e do engessamento
produzindo por meio de ensinamentos descontextualizados da realidade
sociocultural.
Pensar é investigar a
parte oculta do icerberg e, para tal,
faz-se necessário o desprendimento das formas, daquilo que está dado. É preciso
dirigir o olhar ao outro e perceber que o outro é humano, sem ser macaco; é
sujeito, sem ser objeto. Recorro à Arendt, novamente, para dizer que são
incapazes de se manterem na companhia de si mesmos os que se sucumbem à condutas
mediante a ausência de pensamento. São seres que caminham na superficialidade da
vida e reproduzem modos de assujeitamento e práticas que inviabilizam a concretização
da liberdade.