- Êpa, essa viagem foi muito rápida! - Tô com muito calor! Essa roupa laranja é um inferno. - C viu? Quase morreu. Foi um grande estouro. - Os portões da escolha foi aberto. Saiu um monte de gente de uma vez. Encavalou. - Frita pastel e coxinha Rute. - Vô leva esse pilantra no pau! Zé subiu no andaime. Maria chegou na casa de Andreia para cuidar do Pedrinho. Raimundo acabou desistindo de faltar ao trabalho. Laura faltou e comprou um atestado na praça 7. Ninguém aqui é vítima. Ninguém aqui sou eu.

terça-feira, 12 de maio de 2015

O texto é breve, sugestivo e não tem fim

João Henrique

Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo”. É com um fragmento de fala de Michel Foucault que esse texto será tecido. E tem por objetivo ser breve, sugestivo e não concluir.
Classificar. Categorizar. Identificar. Especificar. Determinar. Catalogar. Rotular. O homem. A mulher. O negro. O branco. O heterossexual. O homossexual. O que você é? O que você faz? É preciso desconfiar de todo processo metódico que busca reunir determinadas características (observáveis ou não) e determinar o pertencimento a um grupo, classe, ordem, gênero, espécie, família. Não existe nenhuma formação concreta que não seja possível (hoje ou ao longo da história) ser modificada, transformada, alterada, multiplicada. É preciso acreditar nas falhas, nas quebras, nas fissuras, nas lascas, nos movimentos inesperados que promovem rachaduras, desmoronamentos, destruição. É preciso acreditar no entre, naquilo que está para além dos binarismos. É preciso acreditar na dobra, no movimento sem forma que produz um outro, um múltiplo, um que ainda não há. É preciso acreditar no Terceiro, naquilo que se forma no encontro de dois, de três, de muitos, de todos. Parafraseando Walt Whitman, é preciso ser grande, conter multidões.
Sugiro a diferença àquilo que determina. Sugiro o incomum. Aquilo que não sabemos dizer o que é, aquilo que estranha, pois o que estranha causa deslocamento, faz pensar (ou faz aparecer o preconceito, a violência, a ignorância). Que o diferente (de você) te aponte outras possibilidades. Te diga que nem todos são como você. Nem todos devem ser como você. Que o diferente seja não o outro, mas você. Que sejamos todos diferentes e que saibamos nos diferenciar de nós mesmos a cada dia. Que dizer quem somos seja sempre uma incógnita e que permanecer o mesmo seja sempre uma impossibilidade.
Fujamos! Fujamos da maldita regra de classificar tudo. Fujamos do absoluto, do universal, da essência, da forma, da concretude. Fujamos da impossibilidade de não ser múltiplo, da impossibilidade de criar novos modos de existência. Fujamos do fundamentalismo (e não dos fundamentalistas), do extremismo (e não dos extremistas), dos excessos, do radicalismo (e não dos radicais). Fugir e recusar esse lugar comum de submissão, ignorância, negligencia, passividade.
Abandone as verdades universais. A verdade é uma ilusão. Ser homem hoje não é como no século passado. Ser mulher hoje não é como no século passado. Homem e mulher hoje, não são os mesmo de ontem. O homem. A mulher. Não existem. Se os artigos definidos (O; A) definem, é apenas pelo fato dessa língua ser cruel, favorecer a uma dominação, ao binarismo, ao preconceito. Desconfie do sujeito imaculado. Desconfie do sujeito que se diz formado, exato, correto, concreto. No lugar da forma, use o informe. No lugar do uno, use o múltiplo. No lugar de dizer o que é, viva, seja, experimente.
Se é para ser algo, seja político no seu ato de ser. Seja político para lutar por direitos. Seja político para romper com os binarismos que geram preconceitos. Seja político para mostrar a diferença. Seja político para fazer aparecer. Que sua cor, sua orientação sexual, sua classe... sejam objetos de luta.
Nesse ponto, te pergunto: você pode ser diferente do que pensa ser? Você é um? Pensa hoje como pensava ontem? Pensar é preciso. Não me importa quem você seja. Mas importa que não permaneça o mesmo. E finalmente, que não haja fim. Nenhuma conclusão. Nenhum término. Sempre continuidades. Que o passado não seja causa de nenhum efeito presente. Que o presente não seja efeito, mas seja experiência, modos de existência, processos, experimentações.
Como anunciei, o texto foi breve, com muitas sugestões (nenhuma verdade) e nenhum ponto de partida ou ponto de chegada. Que haja entre ele e você um entre, uma lacuna, uma brecha que pode (ou não) reverberar...

terça-feira, 5 de maio de 2015

Feio é arrastar e nem perceber

Maurinho

Começo dizendo que esse texto não tem como objetivo "cagar regra" ou impor uma visão radical sobre o tema abordado, e tem como objetivo apenas fazer uma breve reflexão sobre um assunto que considero muito pertinente. Decidi escrever sobre algo que tem estado presente cada vez mais no meu dia a dia, o RAP nacional, o qual considero, antes de qualquer crítica musical, uma forma de fazer política, aliás a música no geral pode ser entendida assim. Contudo, de todos os estilos musicais talvez o rap seja a forma mais explícita de ser fazer política, porque assim como o funk ele é a voz de lugares e pessoas pouco frequentes em colunas sociais, mas muito presentes em dados estatísticos, pessoas e lugares que são problemas de carnaval a carnaval.
Hoje meu interesse pelo rap não se dá por moda, mas por me ver em muitas letras, principalmente quando estas se referem a autoestima e aos desafios enfrentados pelo negro,  sempre entre o sucesso e a lama, e comigo não é diferente. Me fascina em muitos cantores de rap o fato de escrever sobre problemas sociais em suas letras de uma forma que cientista social algum escreveria em um artigo, haja visto que gostam de favelado mais quenutela.
Por entender todo o peso e história do rap nacional uma coisa vem me incomodando, e é justamente essa ascensão do rap em proporções midiáticas. Eu até achava legal ver o Emicida na globo, e embora essa sua postura tenha sido muito criticada por muitos fãs de rap eu achava justo que um cara que já mordeucachorro por comida, e que provavelmente não deve ter tido bicicletaou video game, querer o mundo assim como o tal cidadão kane.
Mas há algumas semanas atrás eu comecei a enxergar essa questão por um outro prisma, a partir de um fato que sinceramente me incomodou muito. Quando assisti ao show do Criolo em Paris, um show muito bem produzido no que diz respeito a figurino e palco, tomado por uma plateia majoritariamente branca e elitizada e sem qualquer interesse em analisar friamente o que era cantado ali. Percebe-se que o publico era composto em sua maioria por brasileiros que moravam na França, muito diferentes “das 10 mil pessoas em uma favela na quermesse do campão” cantada pelo rapper em Sucrilhos, música essa que é um tapa na cara exatamente daquela galera que estava ali curtindo o espetáculo. Me incomodou ver uma moça curtindo a "vibe" em uma musica que dizia "As criançada aqui tão de HK" sem fazer qualquer tipo de reflexão sobre aquilo. Será que ela entendeu que a criançada tá de HK na mão? HK arma, sabe qual é? É duro imaginar que essas mensagens estão sendo jogadas no vácuo, para uma galera que “acha que ta bom, que tá umafesta”, mas e o menino no farol? Ahh esse se humilha e detesta.
Mas talvez mais duro seja ver a parcela de culpa muito significativa do próprio rapper, no caso o Criolo, que notoriamente é conivente com aquilo à medida que faz de suas músicas um produto de consumo da classe média, público que ele dedica sua obra a criticar. Quando digo que o rap que o Criolo faz é um produto com público alvo, me baseio na sua nova estética musical, arranjos bonitos, arrastados, audíveis a ouvidos mais cultos, e talvez por esse motivo não seja tão difícil ignorar que “AR15 e mato e os moleques tão de fuzil”. Mais difícil é ignorar que Deus precisa andar deblindado nas periferias paulistanas através de uma voz seca, calejada, rancorosa que não traz consigo nenhuma preparação com gargarejo ou exercícios vocais, só a raiva de cantar a desgraça que vive. 
Tudo isso me remeteu a um caso que aconteceu comigo quando uma colega de trabalho, filha de uma médica, uma coxinha ao extremo, daquelas que solta perolas do tipo "Meu cachorro é mais chique que muita gente", e que foi a um show do Criolo e voltou dizendo que precisava mudar seus conceitos. Porém, os conceitos de que ela falava não se referiam a uma visão mais humana e menos egoísta sobre problemas sociais e sim aos seus conceitos em relação a estilos musicais, porque a partir daquele show ela percebeu que o rap é bom e gostoso de ouvir, agradável até. Essa nova cara do rap presta um deserviço aos demais grupos de rap ao ponto que acabam sendo marginalizados e perdendo para essas pessoas sua legitimidade, porque o novo Criolo é tido como referência do que é rap e o Facção Central associado à musica de bandido. O Criolo doido agora é "Criolê" e não parcelou toda aquela gente indigesta no cartão, acabou fazendo deles um belo investimento à curto prazo.  Entendo que o rap faz muito mais que areligião e o cassetete usado em vão, mas ele precisa ser entendido, discutido, criticado, e nunca ter sua essência ignorada por vaidade.