- Êpa, essa viagem foi muito rápida! - Tô com muito calor! Essa roupa laranja é um inferno. - C viu? Quase morreu. Foi um grande estouro. - Os portões da escolha foi aberto. Saiu um monte de gente de uma vez. Encavalou. - Frita pastel e coxinha Rute. - Vô leva esse pilantra no pau! Zé subiu no andaime. Maria chegou na casa de Andreia para cuidar do Pedrinho. Raimundo acabou desistindo de faltar ao trabalho. Laura faltou e comprou um atestado na praça 7. Ninguém aqui é vítima. Ninguém aqui sou eu.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Sobre reis e príncipes




Mayara Mattos

         Seguindo a ordem da dinastia Bourbon na Espanha um jovem príncipe assume o trono após a abdicação do rei que já não possuía condições de governar. Em meio aos plebeus, as carruagens reais passavam, rearranjo dos títulos da nobreza e dos gloriosos benefícios eram necessários para se instaurar a nova governança. O futuro rei era aclamado por uma multidão calorosa, festas eram realizadas em homenagem a esse grande evento e todos os holofotes estavam direcionados a família real, que é a expressão de Deus na terra.
            Essa história poderia estar situada num passado longínquo, mas ocorreu em junho de 2014. Felipe VI de Bourbon subiu ao trono espanhol devido a escândalos que envolvia corrupção e tráfico de influência dentro da sua própria família, o que se agravou com a crise econômica que insiste em assolar o país. Porém, esse histórico foi abafado pela imprensa espanhola que veiculava insistentemente os atributos de majestade do novo rei. Esportista, falante fluente de várias línguas, marido fiel e pai de duas lindas garotas, alto, loiro, de olhos azuis e educado nos principais centros de ensino do mundo (como todo bom nobre), Felipe VI era evocado como a salvação de um governo imerso em graves problemas políticos. Até mesmo a copa das tropas que ocorria no Brasil foi esquecida pela imprensa espanhola, a coroação era o foco de toda a imprensa.
            É comum que se pense nos meios de comunicação dos países ditos desenvolvidos, como veículos comprometidos com a informação e circulação livre de ideias que abrange o público como um todo, e em que a liberdade de expressão é plenamente respeitada. Esse é mais um dos mitos que se reproduz, a imagem da Europa e dos EUA como blocos homogêneos de democracia inegável, economia exemplar e onde tudo funciona perfeitamente bem, isso desemboca na falácia de uma plenitude social, política e econômica que seria o padrão a ser seguido pelos subdesenvolvidos da cadeia de dominação.
            Esses países colonizadores (do passado ao presente) comandam as estratégias econômicas e oferecem modelos de prosperidade, tipo o consumo em massa expresso pelo seu melhor cúmplice, o capitalismo. Assim, minha intenção aqui é de desestabilizar representações dadas como absolutas e questionar nossas ações que refletem a possibilidade única de existência oferecida pelo eixo consagrado do mundo.
            O ideal de que esses países seguiram um caminho unilinear do desenvolvimento, o qual desembocou no estado de bem estar social pleno e democracia perfeita, é o que impulsiona os países com o rótulo de emergente a prosseguirem com sua caminhada fatídica. E a imprensa tem um papel fundamental nessa trama, muitas vezes ela nega ou obscurece as formas de imperialismo dos países modelos ou qualquer outro evento que seja contrário a expectativa (ex. espionagem), focando, normalmente, nos indicadores do desenvolvimento, PIB e IDH, para que os legitimem como detentores da ordem e do progresso, os quais corremos cegamente atrás. Nega-se, portanto, a reflexão de quais foram as condições criadas pelos países consagrados pelo desenvolvimento para estarem no ápice da pirâmide criadas por eles mesmos. Parece que se prefere deixar nos livros de história, nem todos muito comprometidos com a boa qualidade na informação, as respostas a esses questionamentos. Pois, deixa-se de conectar o suposto apogeu dos países exploradores com a colonização brutal empreendida pelos mesmos, naturalizando a linha evolutiva do desenvolvimento em que todos os outros países estão passando, ou pelo menos deviam.
            Assim, quando se tenta encontrar uma explicação para os nossos "atrasos" (de novo a ideia da corrida rumo a um ponto de chegada), aciona-se o fato de termos sido colonizados e não de termos colonizado. Desse modo, legitima-se a necessidade de explorar o "outro", seja ele representado por grupos fora do território nacional ou pela grande massa marginalizada, como pobres, pretos, indígenas e imigrantes. O Brasil tomou lições de modo exemplar, a nossa classe dominante, fruto da elite colonial, tende a explorar nossos vizinhos latino americanos que se encontram em situações econômicas menos favoráveis. Além de empreender constantes desrespeitos constitucionais em face dos sujeitos considerados entraves ao desenvolvimento tanto almejado, vide as mazelas das populações ameríndias.

            Esses massacres diários, mascarados e justificados por expressões bem estruturadas no imaginário popular, como bem da nação, progresso e ordem, têm seu impacto diminuído nos olhares daqueles que não conseguem conceber outros modos de existência, a não ser aquele legitimado pelo circuito colonial. O modelo de desenvolvimento, intrínseco na nossa visão de mundo, não nos permite admitir a fuga dos valores impregnados pela lógica da dominação, acabamos por reproduzir o caminho empreendido pelos nobres e racionais conquistadores, custe o que custar.

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