João Paulo Araujo
Re.sis.tir - v.t.i. 1. Lutar contra (ataque, atacante), ou responder a (acusação ou acusador); defender-se. 2. Não ser alterado, danificado ou destruído (por algo, ou ação de algo). 3. Não seguir, não ser dominado (por impulso, vontade, ideia, influência, etc.); não aceitar (o que atrai) 4. Não se deixar convencer, não aceitar, não concordar.
Re.sis.tir - v.t.i. 1. Lutar contra (ataque, atacante), ou responder a (acusação ou acusador); defender-se. 2. Não ser alterado, danificado ou destruído (por algo, ou ação de algo). 3. Não seguir, não ser dominado (por impulso, vontade, ideia, influência, etc.); não aceitar (o que atrai) 4. Não se deixar convencer, não aceitar, não concordar.
Esta é a definição que o dicionário Aurélio traz
para a palavra resistir. Comecei por
aqui por acreditar que esta palavra define boa parte das ações dos seres vivos,
mas também comecei daqui por acreditar que no âmbito da existência humana, já
que posso falar somente como um humano, os atos de resistir se inscrevem em um
circuito de atitudes altamente elaborado e perpassam os mais diferentes
domínios da vida social de nossa espécie.
Não sei vocês, acho que também, mas me pego a todo
o tempo resistindo a uma infinidade de imposições e de desejos que desvelam os
jogos de poder que constituem as relações em nossas sociedades ocidentais. A
gente também precisa resistir à cerveja na segunda, porque, caso contrário, a
semana não anda e os projetos pessoais de mudar o mundo se estagnam. Se recuarmos no tempo veremos a resistência indígena ao
colonizador, do negro à escravidão, das periferias do mundo ao
sistema de exclusão, enfim, o berro dos excluídos está sempre a ecoar por toda
parte.
O sistema capitalista, com suas regras e protocolos
ascéticos nos impõe uma ética da austeridade que sempre encontrou forte
resistência entre nós, e é daí talvez que venha esta ideia estúpida de que
índio é um sujeito preguiçoso. O tal do corpo mole é uma arma que vem sendo
utilizada há séculos e já deve ter provocado muito AVC em gerente de fábrica e
em patrão estressado. É que não podemos correr o risco de supor que as pessoas
se conformam às coisas sem qualquer forma de resistência.
Quando nascemos, resistimos aos berros à nossa nova
morada. Na medida em que vamos sendo disciplinados pela sociedade envolvente é
ainda aos berros que resistimos às imposições de nossos pais. Na escola a luta
continua dura. Na sequência vem o trabalho, e aí mais resistência.
Sabemos aquilo que queremos. Não nos tomaram o
discernimento ainda, e por isso sabemos quando estamos sendo enganados ou quando
as relações são injustas e desumanas, e aí, se não temos força para agir
coletivamente e mudar o rumo das coisas, inventamos as micro-resistências que
fazem um estrago significativo em tudo que é força contra aquilo que queremos.
Os muros das cidades estão maravilhosamente
pintados com as marcas de muitas resistências. O povo da cidade resiste em cada
passo, cada ato, e não é porque não fazemos uma grande rebelião que a coisa não
tá feia. Hoje mesmo, quando vinha pra casa escrever este texto vi um foco de
resistência em operação: em plena Praça 7 um grupo estava sentado fazendo um
belo de um churrasco numa churrasqueira improvisada.
Os higiênicos de plantão odeiam a tal da
resistência. Os fascistas, nazistas e stalinistas não puderam enxerga-la nem de
longe e ainda os generais dos regimes autoritários a puseram entre a cruz e a
espada.
Como resolver o problema da insatisfação das massas
sedentas de vida plena para que não haja mais riscos ao grande latifúndio, às
grandes fortunas do mundo, às grandes mansões? Será que isso tudo é rancor? Digo-lhe,
meu caro Eike, que não, que isso é uma coisa que está talvez inscrita na substância
ontológica de nosso Ser.
Somos o que
somos porque desde que nascemos somos obrigados a resistir e quando se é pobre
num país miserável de distribuição de vida plena como o nosso, é preciso saber
resistir ainda mais. É assim ou o sistema te pega pelo pé.
A grande ironia dessa história é que quanto mais o
capital necessita da confiança de seus agentes, pois estes operam máquinas e
equipamentos cada vez mais sofisticados e caros, mais a situação fica ecologicamente
complicada, economicamente caótica e psicologicamente frenética. Desculpe
insistir neste ponto, mas mesmo que não vivamos em contexto histórico marcado
por grandes greves e grandes barulhos coletivos, com exceção da maravilha que
aconteceu em junho passado durante a copa das confederações, quem não é bobo
sabe: se o caldo não está perto de entornar, também não podemos dizer que o mar
está para os grandes tubarões.
Tá certo que a grande parcela dos bandidos cretinos
deste sofrido país ainda se encontra nas ruas. Tá certo também que o capital
especulativo nada de braçada por aqui. Tá certo também quem falar que o salário
tá uma merda, que o trabalho tá muito, que o transporte tá ruim e que a cesta
básica está pela hora da morte. Tá certo ainda porque, infelizmente, quantos
Amarildos estão sumindo neste exato momento sem que a gente consiga fazer nada?
E aí então? Qual é a desse papo que diz que
precisamos tomar cuidado para não vitimizar as pessoas porque muitas delas não
são vítimas porra nenhuma!!! Qual é, meu camarada que diz isso!?!? Já precisou
consultar no SUS? Já estudou em escolha pública? Já foi filho de mãe solteira?
Já dependeu de avó e avô pra viver? Já teve vontade ir ao clube e não foi? Já
quis alguma coisa da hora e não pôde ter? Então cala a boca quem diz isso, porra!!!!
Essa porcaria de vida austera só serve pra pobre
conseguir acordar cedo no outro dia e ir pra fábrica gerar lucro para o
patrão!!! Bem assim mesmo. Bem marxista ortodoxo porque pra pobre a coisa tem
que ser lida assim, nesses termos. E que me desculpem os bêbados dessa classe
média fedida, mas pobreza e miséria não dá pra relativizar.
Eita!!!! Puro desabafo? Puro rancor? Pura dor de
parto mal curada? Não mesmo. Isso é resistência cognitiva. As artimanhas ideológicas
estão por toda parte e o momento exige que tenhamos calma, mas também exige que
não sejamos ingênuos ao ponto de não vermos o que acontece bem embaixo de
nossas retinas fatigadas.
Como já ensinou
Foucault, se o poder é micro e está por toda parte, também há indícios de
movimentos contracorrente por toda parte. O sujeito é pressionado pelas
condições materiais e age contra o sistema que o oprime. O sujeito é
pressionado pelas condições simbólicas e resiste ao sistema que o oprime. O
estudante é pressionado, a mulher é pressionada, o trabalhador é pressionado, a
mãe é pressionada.
Quanto mais se
tenta cercar, mais formas próprias de resistir encontram os sujeitos. A
existência cotidiana é uma luta travada dia-a-dia, contra uma imensidão de condições
desfavoráveis. Sabemos que podemos continuar porque a força não vem de qualquer
novela, minissérie, ou de qualquer porcaria dessas reproduzidas nestas grandes
telas de plasma. Essa força, isto sim, vem do que nos funda como seres no
mundo.
Essa lição, quem
não é leite com pera sabe. Sabe porque já viu pai e mãe fazendo das tripas
coração para não ver filho triste. Sabe por que provavelmente já chorou no colo
de alguém com medo de que o mundo o engolisse. Sabe por que é filho da
resistência. Filho do sacrifício e do lamento. Sabe muito bem porque se comove
com urros que vem dos porões dos navios negreiros. Sabe muito bem porque se
compadece com o sangue indígena derramado nas veias abertas da escravizada
América Latina.
É preciso ser forte o tempo todo? Tem horas que é preciso gritar!!!
Massa!!!
ResponderExcluirParabéns João Paulo!
Viva longa ao terceiro!
Força pra nós!!!
"existir é diferir", diferir é rexistir! parabéns, joão! texto foda!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirJá precisou consultar no SUS? SEMPRE!!!
ResponderExcluirJá estudou em escolha pública? SEMPRE!!!
Já foi filho de mãe solteira? HAHA! SEMPRE!!!
Já dependeu de avó e avô pra viver? SIM!!!
Já teve vontade ir ao clube e não foi? SEMANA PASSADA!!!
Já quis alguma coisa da hora e não pôde ter? A infância inteira...
Caraca, João, me identifiquei com isso. Porém, um problema: e quando não dá mais pra acreditar nos partidos de esquerda?
Belo texto ! Parabens !
ResponderExcluir