- Êpa, essa viagem foi muito rápida! - Tô com muito calor! Essa roupa laranja é um inferno. - C viu? Quase morreu. Foi um grande estouro. - Os portões da escolha foi aberto. Saiu um monte de gente de uma vez. Encavalou. - Frita pastel e coxinha Rute. - Vô leva esse pilantra no pau! Zé subiu no andaime. Maria chegou na casa de Andreia para cuidar do Pedrinho. Raimundo acabou desistindo de faltar ao trabalho. Laura faltou e comprou um atestado na praça 7. Ninguém aqui é vítima. Ninguém aqui sou eu.

terça-feira, 28 de abril de 2015

DESENHANDO OS FEMINISMOS

Mayara Mattos



Vou aproveitar o gancho do texto da Carol (http://blogterceiroopiniao.blogspot.com.br/2015/04/oamor-tem-cor-1-muitas-mulheres-negras.html) para continuar falando com as mulheres. Nas últimas semanas as notícias mais lidas e que entraram nos círculos de debates (principalmente via facebook) foram casos que envolviam violências de gênero[1].

No dia internacional da mulher (detalhe: tinha acabado de voltar do DiversaS: Feminismo, Arte e Resistência, evento de muita sororidade e força, organizado por mulheres maravilhosas), entrei numa discussãoem que um homem cis* hetero branco e de classe média alta defendia em uma postagem no Facebook que não há necessidade das mulheres se vitimizarem para alcançar seus objetivos. O post é de uma mulher branca segurando um cartaz em que ela se posiciona contra o feminismo[2]. Descobri depois que existem alguns canais de mulheres que se dizem contra o movimento e ridicularizam mulheres emancipadoras[3]. Isso não me assustou muito, pois compartilho das proposições de Paulo Freire que defendem que enquanto a educação não for realmente libertária, a tendência do oprimido é uma dia querer se tornar o opressor. Além de que, sugiro que essa resistência que algumas mulheres possuem em relação aos movimentos feministas talvez aconteça devido ao alinhamento de muitas de nós a posições delimitadamente de esquerda, o que contraria aquelas em suas posturas neo-liberais, em que a preocupação maior gira em torno de uma maior inserção da mulher no mercado de trabalho, ou seja, a uma emancipação quase exclusivamente econômica. 

Decidi escrever esse texto no intuito de esclarecer porque os feminismos (sim, no plural, pois não existe uma pauta com uma direção para o movimento e a luta é interseccional), são fundamentais nas desconstruções de processos naturalizados, como o que a Carol explicita no texto da semana passada, além de serem preponderantes na luta que visa o empoderamento feminino e contra o "cistema" sexista. Talvez, com esse tipo de reflexão fique mais fácil entender essas questões que são tão caras as feministas e muitas vezes ridicularizadas não só pelos machos alfa como também por mulheres que dizem não compartilhar da luta.

A postagem em questão não é um caso isolado, comentários que direcionam os movimentos feministas para a lógica da vitimização são constantes (passei por uma situação, poucos dias antes, envolvendo uma agressão a uma mulher que também foi desclassificada por um homem cis, afirmando não ter ocorrido machismo no caso em questão), isso ocorre até mesmo entre os revolucionários de esquerda[4] e com muito mais frequência do que se imagina. Cansei de ouvir todos os tipos de chacotas e insultos ao me posicionar como feminista, seja no sentido de desmerecer o movimento ou como simples alegoria de uma mulher que quer estar na posição de um homem, inclusive acionando o termo feminazi, que pretende alinhar às feministas a posições de intolerâncias quanto aos homens (Desculpem por não querer me submeter e ser benevolente com seu machismo, ops… nenhuma desculpa). Muitos desses comentários esboçavam um completo desconhecimento a respeito dos movimentos feministas e das diversas pautas em proposição. Assuntos de "mulheres" tendem, realmente, a serem invisibilizados, os espaços de discussão são minimizados e relegados a futilidades, e é assim que muita gente generaliza o feminismo. Os machismos diários estão nos detalhes[5].

Quando digo que a luta é interseccional, penso exatamente nas categorias que se cruzam, desenvolvendo uma postura mais voltada a questões de gênero, classe ou raça, a depender da trajetória que cada sujeitx foi traçando. É muita inocência achar que pelo fato de alguns setores da esquerda defenderem a dissolução de todos sistemas de privilégios, esses discursos serão completamente absorvidos por todas as pessoas de modo semelhante. Somente uma mulher (cis ou trans) sabe as dores que o machismo e a misoginia imputam diariamente, quem sofre as mais variadas formas de violências, nesses processos, são corpos femininos. E se levarmos em consideração o intercruzamento das categorias identitárias, os corpos de mulheres negras/indígenas e pobres estão muito mais vulneráveis aos interpostos do patriarcado. 

É por isso que me irrita profundamente o fato de homens se sentirem no direito de afirmar se uma mulher sofreu ou não machismo, e pensando por essas identidades múltiplas, o que faz um homem ou uma mulher branca achar que ele/ela sabe exatamente o que uma mulher negra e/ou pobre quer e/ou precisa ou como ela deveria viver? Pra quem nunca sofreu racismo, machismo, homofobia (lembrando que isso pode acontecer tudo junto) nem qualquer outro tipo de segregação/opressão, nunca vai saber o que é estar na posição do oprimido, mesmo quem adere aos movimentos e se dizem progressistas ainda não podem se colocar nesse lugar, a fala do negro/da mulher/e qualquer grupo em situação de desigualdade deve ser sempre respeitada. Homens brancos tendem a querer pautar qualquer discussão como se fossem sempre especialistas, pois acostumaram a serem legitimados e autorizados em se posicionar com muita facilidade no lugar dos "outros".

Iniciei esse texto expondo os recentes casos de violência de gênero, as quais poderíamos incluir (infelizmente) uma longa lista, inclusive o caso hediondo de agressão sofrida por Verônica Bolina[6], trans torturada e exposta a grande humilhação por agentes estatais. Fatos menos chocantes, mas não menos violentos, como o caso de um professor de direito da PUC[7] que afirmou em sala de aula que "leis e mulheres foram feitas pra serem violadas" também demonstram a enorme defasagem que a falta de discussão em termos colocados pelos feminismos pode causar.

Machismo, lesbofobia, transfobia, sexismo… tudo isso mata. Feminismo empodera mulheres, constrói relações mais horizontais, discute e tenta proporcionar uma dinâmica de vida que contemple as especificidades femininas, respeitando a diversidade e desconstruindo normatizações que só servem aos interesses do Estado patriarcal. Por isso, convido quem não conhece ou não leu o suficiente a respeito, que se informe a partir dos textos sugeridos (ou por meio de outros também) e se abram para espaços mais inclusivos de discussão e autonomia. Que aprendam a dividir privilégios, não monopolizando suas categorias apenas para interesses que o satisfaçam, que se juntem às mulheres, não para falar sobre elas, mas para construir com elas, respeitando seus lugares de falas e atentando a possíveis opressões que podem ocorrer nas diferentes relações cotidianas.

Assim, "seguiremos em luta até que todas sejamos livres!"  


* O alinhamento cis envolve um sentimento interno de congruência entre seu corpo(morfologia) e seu gênero, dentro de uma lógica onde o conjunto de performances é percebido como coerente. Em suma, é a pessoa que foi designada “homem” ou “mulher”, se sente bem com isso e é percebida e tratada socialmente (medicamente, juridicamente, politicamente) como tal.





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