Maurinho
Começo dizendo que esse texto não tem como objetivo
"cagar regra" ou impor uma visão radical sobre o tema abordado, e tem
como objetivo apenas fazer uma breve reflexão sobre um assunto que considero
muito pertinente. Decidi escrever sobre algo que tem estado presente cada vez
mais no meu dia a dia, o RAP nacional, o qual considero, antes de qualquer
crítica musical, uma forma de fazer política, aliás a música no geral pode ser
entendida assim. Contudo, de todos os estilos musicais talvez o rap seja a
forma mais explícita de ser fazer política, porque assim como o funk ele é a
voz de lugares e pessoas pouco frequentes em colunas sociais, mas muito
presentes em dados estatísticos, pessoas e lugares que são problemas de carnaval a carnaval.
Hoje meu interesse pelo rap não se dá por moda, mas por
me ver em muitas letras, principalmente quando estas se referem a autoestima e
aos desafios enfrentados pelo negro, sempre entre o sucesso e a lama,
e comigo não é diferente. Me fascina em muitos cantores de rap o fato de
escrever sobre problemas sociais em suas letras de uma forma que cientista
social algum escreveria em um artigo, haja visto que gostam de favelado mais quenutela.
Por entender todo o peso e história do rap nacional uma
coisa vem me incomodando, e é justamente essa ascensão do rap em proporções
midiáticas. Eu até achava legal ver o Emicida na globo, e embora essa sua
postura tenha sido muito criticada por muitos fãs de rap eu achava justo que um cara que já mordeucachorro por comida, e que provavelmente não deve ter tido bicicletaou video game, querer o mundo assim como o tal cidadão kane.
Mas há algumas semanas atrás eu comecei a enxergar essa
questão por um outro prisma, a partir de um fato que sinceramente me incomodou
muito. Quando assisti ao show do Criolo em Paris, um
show muito bem produzido no que diz respeito a figurino e palco, tomado por uma
plateia majoritariamente branca e elitizada e sem qualquer interesse em
analisar friamente o que era cantado ali. Percebe-se que o publico era composto
em sua maioria por brasileiros que moravam na França, muito diferentes “das
10 mil pessoas em uma favela na quermesse do campão” cantada pelo rapper em Sucrilhos,
música essa que é um tapa na cara exatamente daquela galera que estava ali
curtindo o espetáculo. Me incomodou ver uma moça curtindo a "vibe" em
uma musica que dizia "As criançada aqui tão de HK"
sem fazer qualquer tipo de reflexão sobre aquilo. Será que ela entendeu que a
criançada tá de HK na mão? HK arma, sabe qual é? É duro imaginar que essas
mensagens estão sendo jogadas no vácuo, para uma galera que “acha que ta bom, que tá umafesta”, mas e o menino no farol? Ahh esse se humilha e detesta.
Mas talvez mais duro seja ver a parcela de culpa muito
significativa do próprio rapper, no caso o Criolo, que notoriamente é conivente
com aquilo à medida que faz de suas músicas um produto de consumo da classe
média, público que ele dedica sua obra a criticar. Quando digo que o rap que o
Criolo faz é um produto com público alvo, me baseio na sua nova estética musical,
arranjos bonitos, arrastados, audíveis a ouvidos mais cultos, e talvez por esse
motivo não seja tão difícil ignorar que “AR15 e mato e os moleques tão de
fuzil”. Mais difícil é ignorar que Deus precisa andar deblindado nas periferias paulistanas através de uma voz seca,
calejada, rancorosa que não traz consigo nenhuma preparação com gargarejo ou
exercícios vocais, só a raiva de cantar a desgraça que vive.
Tudo
isso me remeteu a um caso que aconteceu comigo quando uma colega de trabalho,
filha de uma médica, uma coxinha ao extremo, daquelas que solta perolas do tipo
"Meu cachorro é mais chique que muita gente", e que foi a um show do
Criolo e voltou dizendo que precisava mudar seus conceitos. Porém, os conceitos
de que ela falava não se referiam a uma visão mais humana e menos egoísta sobre
problemas sociais e sim aos seus conceitos em relação a estilos musicais,
porque a partir daquele show ela percebeu que o rap é bom e gostoso de ouvir,
agradável até. Essa nova cara do rap presta um deserviço aos demais grupos de
rap ao ponto que acabam sendo marginalizados e perdendo para essas pessoas sua
legitimidade, porque o novo
Criolo é tido como referência
do que é rap e o Facção Central associado à musica de bandido. O Criolo doido
agora é "Criolê" e não
parcelou toda aquela gente indigesta no cartão, acabou fazendo deles um
belo investimento à curto prazo. Entendo
que o rap faz muito mais que areligião e o cassetete usado em vão, mas ele precisa ser entendido,
discutido, criticado, e nunca ter sua essência ignorada por vaidade.
Parece muito fácil vacilar quando a vida fica mamão. E Criolinho tá vacilano. Show com a Ivete Diva Milionária, pré-carnaval no Mangabeiras pra Classe Média Belo Horizontina , showzinho em Macacos pros Tilelê-Fafich-Centro-Sul, Paris...sei não. Se azedar é a meta, tem açúcar demais. Como diz o pixo, na favela morro é verbo, e barracão de zinco no Samba (pra quem quer ver) é mais que uma boa poesia. "Rap é compromisso, não é viagem. Se pá fica esquisito", Sabotagem.
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