- Êpa, essa viagem foi muito rápida! - Tô com muito calor! Essa roupa laranja é um inferno. - C viu? Quase morreu. Foi um grande estouro. - Os portões da escolha foi aberto. Saiu um monte de gente de uma vez. Encavalou. - Frita pastel e coxinha Rute. - Vô leva esse pilantra no pau! Zé subiu no andaime. Maria chegou na casa de Andreia para cuidar do Pedrinho. Raimundo acabou desistindo de faltar ao trabalho. Laura faltou e comprou um atestado na praça 7. Ninguém aqui é vítima. Ninguém aqui sou eu.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Dois pesos e duas medidas!

Kelli Oliveira

Ao visitar a página do Diário de Pernambuco, no mês de fevereiro deste ano, algo me chamou a atenção. Ao publicar certa matéria nas redes sociais, a repercussão negativa tomou proporção tão estrondosa que o próprio veículo precisou criar uma campanha contra o preconceito. A matéria abordava o hábito que alguns adolescentes e crianças de periferia têm de pintar o cabelo durante o carnaval para participar das festividades. Já que os mesmos não têm condições de comprar fantasias para a época, utilizam produtos de baixo custo, como papel crepom, água oxigenada e pó de madeira, a ideia é ficar o mais diferente possível para se destacar em meio à multidão. Destaque que aconteceu de forma controvérsia, pois apesar de intencionados em apenas se divertir, esses jovens ganharam rótulos discriminatórios.

Os cabelos coloridos de meninos negros, pobres e favelados incomodaram, e muito, à algumas pessoas. Surgiram vários comentários preconceituosos após a publicação da matéria nas redes sociais, descobrindo e escancarando situações que muitos desses meninos vivem no dia a dia, rótulos e adjetivos que tristemente já se acostumaram a receber.  Ao perceber a euforia desses seres, que do conforto de suas casas sentem-se superiores e seguros para expor o que realmente pensam e sentem sobre os cabelos coloridos dos favelados, me senti imensamente incomodada e ao mesmo tempo intrigada com a repercussão negativa da reportagem. Na mesma semana em que li essa matéria, uma senhora sentada em um ponto de ônibus na Savassi (bairro nobre de BH), ao avistar um menino branco, bem vestido e de cabelo azul, balbuciou: Nossa! Esses jovens de hoje em dia são tão “estilosos” (isso em tom de elogio). Logo me veio à memória aquela matéria que tanto repercutiu e gerou comentários maliciosos, uns diziam que eram marginais, outros que era falta de serviço e, em resumo, quase todos os comentários eram negativos, nenhum mencionava que os meninos tinham estilo ou que aquilo era algo legal de se copiar.

Sei que não podemos generalizar nenhuma das duas reações, nem os comentários maldosos na rede social e nem da senhorinha que achou lindo o menino branco de cabelo azul, mas o que me veio à mente, comparando as duas situações, foi a seguinte frase, e que ilustra bem a situação: “Somos todos iguais, alguns mais iguais que os outros.” De um lado meninos negros, pobres e favelados com cabelos amarelos, vermelhos, roxos, quase sendo crucificados por não ter vergonha do seu estilo ou por tentar ter um estilo próprio. Do outro um menino branco de cabelo azul que ao passar na rua conquista admiração e apoio até dos mais conservadores. Minha indignação ascende nesse ponto: porque os cabelos coloridos dos meninos negros foram tão discriminados, ou, seria apenas o cabelo que incomodava?

Essa atitude se estende para além de comentários preconceituosos em redes sociais. Jovens negros, de periferia e com cabelos coloridos, não conseguem arrumar emprego, tomam geral da polícia todos os dias e são sempre considerados suspeitos. A vontade da sociedade é manter ou colocar todos nos padrões brancos. Eles nos engolem todos os dias, riem da nossa cara, é como se dissessem para um menino negro: já que você não pode ser branco, pelo menos se comporte como um, corte esse cabelo duro, se vista como tal, fale como tal, enfim, seja um preto transvestido de branco, assim poderemos nos incomodar menos com sua presença.

Aos mais incrédulos, que pensam que estamos vendo chifre na cabeça de cavalo, eu peço que se atenham e percebam os olhares sobre os negros ao seu redor, e não me diga que isso é coisa da minha cabeça! Parece até que estou chovendo no molhado, né, minha gente, pois presenciamos situações desse tipo todos os dias, nos jornais, nas novelas e ao vivo e à cores, mas parece que não dão a mínima para o que acontece a nossa volta. Até hoje vivemos um regime de soberania branca, e o pior de tudo é que está tão naturalizado que as pessoas acham comum certos tipos de discriminação. É isso mesmo, senhoras e senhores, os pensamentos preconceituosos de nossa sociedade proíbem que negros e pobres possam se quer pensar em ser autônomos e donos dos seus próprios narizes ou cabelos, se acharem melhor.

Ah, quem dirá que estou sendo radical demais e que muita coisa tem mudado!? Sim, tem mudado e é sabido que os negros têm conquistado muitos diretos e oportunidades, mas ainda é pouco diante do buraco que deixaram na vida de nossos ancestrais.  Precisamos ter ciência de que esse fato não foi e não será um fato isolado, enquanto um grupo tentar impor seu modo de viver nós nunca poderemos ser nós mesmos.

Como diria Chico César: Se eu quero colorir, deixa!


Fiquem atentos, as portas das percepções estão abertas!

2 comentários:

  1. Que quer o homem?
    Que quer o homem negro?
    Mesmo expondo-me ao ressentimento de meus irmãos de cor, direi
    que o negro não é um homem. (Franz Fanon. Pele Negra, Máscaras Brancas.)

    Falo de milhões de homens
    em quem deliberadamente inculcaram o medo,
    o complexo de inferioridade, o tremor,
    a prostração, o desespero, o servilismo.
    ( Aimé Césaire, Discurso sobre o colonialismo).

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  2. Gostei muito do seu texto. Não, não se preocupe em achar que você está exagerando, devemos sempre lembrar e gritar contra essa macula social brasileira. É que as pessoas se acostumam e precisamos ser firmes para não deixar isso acontecer. Quanto ao"regime de soberania branca...", é real, existe sim, eu pelo menos sinto e presencio isso todos os dias. Sociedade burguesa, impõe sua cultura, e todo o "resto", secundário, não é importante. Frustração

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