Kelli Oliveira
Ao visitar a página do
Diário de Pernambuco, no mês de fevereiro deste ano, algo me chamou a atenção. Ao
publicar certa matéria nas redes sociais, a repercussão negativa tomou proporção
tão estrondosa que o próprio veículo precisou criar uma campanha contra o
preconceito. A matéria abordava o hábito que alguns adolescentes e crianças de
periferia têm de pintar o cabelo durante o carnaval para participar das
festividades. Já que os mesmos não têm condições de comprar fantasias para a
época, utilizam produtos de baixo custo, como papel crepom, água oxigenada e pó
de madeira, a ideia é ficar o mais diferente possível para se destacar em meio à
multidão. Destaque que aconteceu de forma controvérsia, pois apesar
de intencionados em apenas se divertir, esses jovens ganharam rótulos discriminatórios.
Os cabelos coloridos de
meninos negros, pobres e favelados incomodaram, e muito, à algumas pessoas.
Surgiram vários comentários preconceituosos após a publicação da matéria nas
redes sociais, descobrindo e escancarando situações que muitos desses meninos
vivem no dia a dia, rótulos e adjetivos que tristemente já se acostumaram a
receber. Ao perceber a euforia desses
seres, que do conforto de suas casas sentem-se superiores e seguros para expor
o que realmente pensam e sentem sobre os cabelos coloridos dos favelados, me
senti imensamente incomodada e ao mesmo tempo intrigada com a repercussão
negativa da reportagem. Na mesma semana em que
li essa matéria, uma senhora sentada em um ponto de ônibus na Savassi (bairro
nobre de BH), ao avistar um menino branco, bem vestido e de cabelo azul,
balbuciou: Nossa! Esses jovens de hoje em dia são tão “estilosos” (isso em tom
de elogio). Logo me veio à memória aquela matéria que tanto repercutiu e gerou
comentários maliciosos, uns diziam que eram marginais, outros que era falta de
serviço e, em resumo, quase todos os comentários eram negativos, nenhum
mencionava que os meninos tinham estilo ou que aquilo era algo legal de se
copiar.
Sei que não podemos
generalizar nenhuma das duas reações, nem os comentários maldosos na rede
social e nem da senhorinha que achou lindo o menino branco de cabelo azul, mas
o que me veio à mente, comparando as duas situações, foi a seguinte frase, e que
ilustra bem a situação: “Somos todos iguais, alguns mais iguais que
os outros.” De um lado meninos negros, pobres e favelados com cabelos
amarelos, vermelhos, roxos, quase sendo crucificados por não ter vergonha do
seu estilo ou por tentar ter um estilo próprio. Do outro um menino branco de
cabelo azul que ao passar na rua conquista admiração e apoio até dos mais
conservadores. Minha indignação ascende nesse ponto: porque os cabelos coloridos
dos meninos negros foram tão discriminados, ou, seria apenas o cabelo que
incomodava?
Essa atitude se estende
para além de comentários preconceituosos em redes sociais. Jovens negros, de
periferia e com cabelos coloridos, não conseguem arrumar emprego, tomam geral
da polícia todos os dias e são sempre considerados suspeitos. A vontade da
sociedade é manter ou colocar todos nos padrões brancos. Eles nos engolem
todos os dias, riem da nossa cara, é como se dissessem para um menino negro: já
que você não pode ser branco, pelo menos se comporte como um, corte esse cabelo
duro, se vista como tal, fale como tal, enfim, seja um preto transvestido de
branco, assim poderemos nos incomodar menos com sua presença.
Aos mais incrédulos,
que pensam que estamos vendo chifre na cabeça de cavalo, eu peço que se atenham
e percebam os olhares sobre os negros ao seu redor, e não me diga que isso é
coisa da minha cabeça! Parece até que estou chovendo no molhado, né, minha
gente, pois presenciamos situações desse tipo todos os dias, nos jornais, nas
novelas e ao vivo e à cores, mas parece que não dão a mínima para o que acontece a nossa volta. Até hoje vivemos um regime de soberania branca, e o
pior de tudo é que está tão naturalizado que as pessoas acham comum certos
tipos de discriminação. É isso mesmo, senhoras e senhores, os pensamentos
preconceituosos de nossa sociedade proíbem que negros e pobres possam se quer
pensar em ser autônomos e donos dos seus próprios narizes ou cabelos, se acharem
melhor.
Ah, quem dirá que estou
sendo radical demais e que muita coisa tem mudado!? Sim, tem mudado e é sabido
que os negros têm conquistado muitos diretos e oportunidades, mas ainda é pouco
diante do buraco que deixaram na vida de nossos ancestrais. Precisamos ter ciência de que esse fato não
foi e não será um fato isolado, enquanto um grupo tentar impor seu modo de
viver nós nunca poderemos ser nós mesmos.
Como diria Chico César:
Se eu quero colorir, deixa!
Que quer o homem?
ResponderExcluirQue quer o homem negro?
Mesmo expondo-me ao ressentimento de meus irmãos de cor, direi
que o negro não é um homem. (Franz Fanon. Pele Negra, Máscaras Brancas.)
Falo de milhões de homens
em quem deliberadamente inculcaram o medo,
o complexo de inferioridade, o tremor,
a prostração, o desespero, o servilismo.
( Aimé Césaire, Discurso sobre o colonialismo).
Gostei muito do seu texto. Não, não se preocupe em achar que você está exagerando, devemos sempre lembrar e gritar contra essa macula social brasileira. É que as pessoas se acostumam e precisamos ser firmes para não deixar isso acontecer. Quanto ao"regime de soberania branca...", é real, existe sim, eu pelo menos sinto e presencio isso todos os dias. Sociedade burguesa, impõe sua cultura, e todo o "resto", secundário, não é importante. Frustração
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