- Êpa, essa viagem foi muito rápida! - Tô com muito calor! Essa roupa laranja é um inferno. - C viu? Quase morreu. Foi um grande estouro. - Os portões da escolha foi aberto. Saiu um monte de gente de uma vez. Encavalou. - Frita pastel e coxinha Rute. - Vô leva esse pilantra no pau! Zé subiu no andaime. Maria chegou na casa de Andreia para cuidar do Pedrinho. Raimundo acabou desistindo de faltar ao trabalho. Laura faltou e comprou um atestado na praça 7. Ninguém aqui é vítima. Ninguém aqui sou eu.

terça-feira, 16 de junho de 2015

A Possibilidade de Ser Livre

Caroline Teixeira

Há um tempo me propus a escrever para o blog de alguns amigos, entretanto, como é comum hoje em dia, adiei a escrita impreterivelmente. Temas surgiram e desapareceram sem serem escritos. Quando enfim, descobri o que gostaria de escrever para o blog, tinha de tratar justamente desse eterno adiamento tão presente no nosso dia-a-dia. Tive a sorte de estudar um filósofo que trata disso, mas não apenas disso, da melhor forma possível, Kierkegaard. Sendo assim, resolvi, partindo de Kierkegaard, no seu livro: “O Conceito de Angústia”, tratar de questões do nosso dia-a-dia, em primeira pessoa.
Sou estudante de filosofia, no quinto período, na UFMG; tenho 21 anos e um mundo de possibilidades pela frente. Ter opções de escolha é incrível, mas o que fazer para tomar a decisão correta? O que me garante que escolhi a melhor opção? Nada! Não há garantias! Fazer filosofia pode ter sido uma boa escolha, assim como posso “quebrar a cara” monumentalmente. Mas é preciso decidir, e de/cisão implica uma cisão, um rompimento, com as demais opções. Por isso escolher é tão difícil, por isso é cada vez mais comum nos depararmos com pessoas estagnadas em suas vidas, contemplando seu mundo de possibilidades sem nada escolher; sem efetivamente viver. Parecemos ter nos esquecido que “quebrar a cara” faz parte da vida, que precisamos aprender a lidar com o sofrimento, ao invés de evitá-lo nos trancando em nosso mundinho (#selfie), onde acreditamos ter controle sobre a situação.
Passando para o campo afetivo, entre muitas coisas que Kierkegaard diz da mesma teoria, e com as quais eu concordo, ele deixa claro que não existe A Pessoa, uma alma gêmea. Isso porque eu não sou tão especial assim, e ninguém é tão especial assim para mim previamente. O que nos torna especiais para as pessoas é a história que construímos juntos. Obviamente fui rever todas as minhas relações, e pude constatar que as pessoas que eu amo, são pessoas com as quais eu construí uma história, no caso da minha família é uma história imposta mas ainda assim, com todos os problemas e as dificuldades de convivência, nos amamos. Meus amigos de longa data, a mesma coisa.
Bem, isso me ajudou a entender porque eu gosto cada vez menos de relações casuais. Sempre me pareceu vazio, e vazio é a palavra (Tinder e afins*). Quando transo com uma pessoa e isso não significa absolutamente nada além de um instante de prazer, daí um mês eu já não lembro qual foi a sensação de ter estado com aquela pessoa, o que acho péssimo. Me sentir indiferente faz com que eu me sinta vazia e o vazio angustia. O problema é que hoje em dia é bem difícil achar pessoas que signifiquem algo, da mesma forma que é difícil significar algo para alguém, e quando as encontramos, não são pessoas dispostas a tentar construir alguma coisa, muito menos uma história.
Atualmente não consigo ficar com uma pessoa para depois termos de correr um do outro para não nos apegarmos, e perguntei-me por um segundo: Qual é o meu problema? O problema não está no fato de querer mais do que instantes de prazer, o problema está em achar que, seguindo a conduta dos filmes, novelas e romances contemporâneos, existe uma pessoa perfeita para mim, a qual eu preciso ter sorte de encontrar, e que, uma vez encontrada, não devo perder nunca mais, ou terei perdido minha única oportunidade de ser feliz. Como Kierkegaard demonstra, o especial está na história construída, logo, não se trata de encontrar A Pessoa, mas sim, alguém disposta a tentar construir uma história com você, o amor vêm como uma consequência dessa história, e basta pensarmos nas pessoas que amamos para darmos razão a ele.
No fim, a gente não se lembra de instantes, de momentos de alegria; nos lembramos das histórias, das pessoas que se fizeram importar. Pessoas que fizeram questão de participar das nossas vidas e que permitiram que participássemos das delas. Os instantes são bons, mas acabam assim que começam.

“O presente não é, entretanto, um conceito do tempo, a não ser justamente como algo infinitamente vazio de conteúdo, o que por sua vez, corresponde ao desaparecer infinito.”
(…)
 “O eterno, pelo contrário, é o presente.” (kierkegaard, 2011, p. 93) **

E a história se constrói no eterno. Já o instante, o casual, nem chega a existir, como poderia importar?
Saindo do campo afetivo e voltando às decisões do dia-a-dia. Assim como o vazio, as possibilidades também angustiam. Num mundo cada vez mais esteta ***, nos deparamos com infinitas situações que exigem uma decisão, mas ao invés de decidir, adiamos, procrastinamos; tudo para poder contemplar um pouco mais as possibilidades, refletir mais sobre qual seria a melhor decisão. É claro que refletir sobre escolhas importantes é algo bom, o problema é quando não saímos da reflexão, imaginamos diversas vidas, cada qual com base em uma escolha, mas não escolhemos absolutamente nada, e de repente, a vida passou, enquanto nos perdíamos num contemplamento estético. A insatisfação com nossas vidas é cada vez maior, não por falta de possibilidades, e sim por falta de escolhas, por falta de ação. Abandonar o mundo das possibilidades e arriscar-se no real, errar, quebrar a cara; isso é ser livre, isso é viver. A possibilidade angustia por exibir toda nossa capacidade de vir a ser algo, no entanto, o vir a ser só se realiza pelo agir. O medo de errar nos paralisa a tal ponto, que para não sofrer, decidimos simplesmente não viver, ou melhor, viver numa vida contemplativa, totalmente insatisfeitos com o rumo de nossas vidas, incapazes de admitirmos que poderíamos ter feito qualquer coisa, bastava tomar uma decisão.
Da mesma forma que há relacionamentos vazios, há palavras vazias. Discursar sobre ética não é, nem de longe, ser ético; falar bem sobre o amor, não é amar; pregar a solidariedade, não é ser solidário. Parece trivial, mas em tempos de Facebook, onde curtidas viram amém e compartilhamentos garantem lugares no paraíso; a fala, ou a escrita são vistas como ações. Novamente nos prendemos no contemplamento estético, onde vale mais falar sobre do que fazer algo a respeito.
Enfim, depois de ter visto tudo o que vi (que reforço, foi muito mais do que me propus a abordar aqui) com o excelente professor do Departamento de Filosofia, que me explicou Kierkegaard maravilhosamente, não pude mais adiar a escrita do artigo. Não pude mais adiar o fim dos casos casuais que me angustiavam com o vazio que deixam; mas pude ter certeza de que por mais difícil que tenha sido sair de casa, foi uma ótima decisão, redescobri quão boa é a sensação de liberdade que cada escolha traz. O que vai dar certo e o que não vai é impossível saber de antemão, mas o mundo nunca parou porque alguém estava sofrendo, logo, se der tudo errado, eu vou precisar saber lidar com a situação, e continuar decidindo, continuar vivendo, construindo minha história.
Porque viver é arriscar-se, e decidir é ser livre!

* Aplicativos cujas finalidades são relacionamentos sexuais casuais.
** Editora Vozes – Coleção Vozes de Bolso.
*** Um esteta aqui, deve ser visto como um pensador, um poeta. Uma pessoa que dedica-se mais à observação e contemplação das possibilidades do que à ação efetiva. Como foi dito no texto, analisar as possibilidades e observar os fatos não são um problema, o problema encontra-se na falta de decisão e ação diante das possibilidades.

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