Caroline Teixeira
Há
um tempo me propus a escrever para o blog de alguns amigos, entretanto, como é
comum hoje em dia, adiei a escrita impreterivelmente. Temas surgiram e
desapareceram sem serem escritos. Quando enfim, descobri o que gostaria de
escrever para o blog, tinha de tratar justamente desse eterno adiamento tão
presente no nosso dia-a-dia. Tive a sorte de estudar um filósofo que trata
disso, mas não apenas disso, da melhor forma possível, Kierkegaard. Sendo
assim, resolvi, partindo de Kierkegaard, no seu livro: “O Conceito de
Angústia”, tratar de questões do nosso dia-a-dia, em primeira pessoa.
Sou
estudante de filosofia, no quinto período, na UFMG; tenho 21 anos e um mundo de
possibilidades pela frente. Ter opções de escolha é incrível, mas o que fazer
para tomar a decisão correta? O que me garante que escolhi a melhor opção?
Nada! Não há garantias! Fazer filosofia pode ter sido uma boa escolha, assim
como posso “quebrar a cara” monumentalmente. Mas é preciso decidir, e de/cisão implica uma cisão, um
rompimento, com as demais opções. Por isso escolher é tão difícil, por isso é
cada vez mais comum nos depararmos com pessoas estagnadas em suas vidas,
contemplando seu mundo de possibilidades sem nada escolher; sem efetivamente
viver. Parecemos ter nos esquecido que “quebrar a cara” faz parte da vida, que
precisamos aprender a lidar com o sofrimento, ao invés de evitá-lo nos
trancando em nosso mundinho (#selfie), onde acreditamos ter controle sobre a
situação.
Passando
para o campo afetivo, entre muitas coisas que Kierkegaard diz da mesma teoria,
e com as quais eu concordo, ele deixa claro que não existe A Pessoa, uma alma gêmea. Isso porque eu não sou tão especial
assim, e ninguém é tão especial assim para mim previamente. O que nos torna
especiais para as pessoas é a história que construímos juntos. Obviamente fui
rever todas as minhas relações, e pude constatar que as pessoas que eu amo, são
pessoas com as quais eu construí uma história, no caso da minha família é uma
história imposta mas ainda assim, com todos os problemas e as dificuldades de
convivência, nos amamos. Meus amigos de longa data, a mesma coisa.
Bem,
isso me ajudou a entender porque eu gosto cada vez menos de relações casuais.
Sempre me pareceu vazio, e vazio é a palavra (Tinder e afins*). Quando transo
com uma pessoa e isso não significa absolutamente nada além de um instante de
prazer, daí um mês eu já não lembro qual foi a sensação de ter estado com
aquela pessoa, o que acho péssimo. Me sentir indiferente faz com que eu me
sinta vazia e o vazio angustia. O problema é que hoje em dia é bem difícil
achar pessoas que signifiquem algo, da mesma forma que é difícil significar
algo para alguém, e quando as encontramos, não são pessoas dispostas a tentar
construir alguma coisa, muito menos uma história.
Atualmente
não consigo ficar com uma pessoa para
depois termos de correr um do outro para não nos apegarmos, e perguntei-me por
um segundo: Qual é o meu problema? O problema não está no fato de querer mais
do que instantes de prazer, o problema está em achar que, seguindo a conduta
dos filmes, novelas e romances contemporâneos, existe uma pessoa perfeita para
mim, a qual eu preciso ter sorte de encontrar, e que, uma vez encontrada, não
devo perder nunca mais, ou terei perdido minha única oportunidade de ser feliz.
Como Kierkegaard demonstra, o especial está na história construída, logo, não
se trata de encontrar A Pessoa, mas sim, alguém disposta a tentar construir uma
história com você, o amor vêm como uma consequência dessa história, e basta
pensarmos nas pessoas que amamos para darmos razão a ele.
No
fim, a gente não se lembra de instantes, de momentos de alegria; nos lembramos
das histórias, das pessoas que se fizeram importar. Pessoas que fizeram questão
de participar das nossas vidas e que permitiram que participássemos das delas.
Os instantes são bons, mas acabam assim que começam.
“O
presente não é, entretanto, um conceito do tempo, a não ser justamente como
algo infinitamente vazio de conteúdo, o que por sua vez, corresponde ao
desaparecer infinito.”
(…)
“O
eterno, pelo contrário, é o presente.” (kierkegaard, 2011, p. 93) **
E
a história se constrói no eterno. Já o instante, o casual, nem chega a existir,
como poderia importar?
Saindo
do campo afetivo e voltando às decisões do dia-a-dia. Assim como o vazio, as
possibilidades também angustiam. Num mundo cada vez mais esteta ***,
nos deparamos com infinitas situações que exigem uma decisão, mas ao invés de
decidir, adiamos, procrastinamos; tudo para poder contemplar um pouco mais as
possibilidades, refletir mais sobre qual seria a melhor decisão. É claro que
refletir sobre escolhas importantes é algo bom, o problema é quando não saímos
da reflexão, imaginamos diversas vidas, cada qual com base em uma escolha, mas
não escolhemos absolutamente nada, e de repente, a vida passou, enquanto nos
perdíamos num contemplamento estético. A insatisfação com nossas vidas é cada
vez maior, não por falta de possibilidades, e sim por falta de escolhas, por
falta de ação. Abandonar o mundo das possibilidades e arriscar-se no real, errar,
quebrar a cara; isso é ser livre, isso é viver. A possibilidade angustia por
exibir toda nossa capacidade de vir a ser algo, no entanto, o vir a
ser só se realiza pelo agir. O medo de errar nos paralisa a tal ponto, que
para não sofrer, decidimos simplesmente não viver, ou melhor, viver numa vida
contemplativa, totalmente insatisfeitos com o rumo de nossas vidas, incapazes
de admitirmos que poderíamos ter feito qualquer coisa, bastava tomar uma
decisão.
Da
mesma forma que há relacionamentos vazios, há palavras vazias. Discursar sobre
ética não é, nem de longe, ser ético; falar bem sobre o amor, não é amar;
pregar a solidariedade, não é ser solidário. Parece trivial, mas em tempos de
Facebook, onde curtidas viram amém e compartilhamentos garantem lugares no
paraíso; a fala, ou a escrita são vistas como ações. Novamente nos prendemos no
contemplamento estético, onde vale mais falar sobre do que fazer algo a
respeito.
Enfim,
depois de ter visto tudo o que vi (que reforço, foi muito mais do que me propus
a abordar aqui) com o excelente professor do Departamento de Filosofia, que me
explicou Kierkegaard maravilhosamente, não pude mais adiar a escrita do artigo.
Não pude mais adiar o fim dos casos casuais que me angustiavam com o vazio que
deixam; mas pude ter certeza de que por mais difícil que tenha sido sair de
casa, foi uma ótima decisão, redescobri quão boa é a sensação de liberdade que
cada escolha traz. O que vai dar certo e o que não vai é impossível saber de
antemão, mas o mundo nunca parou porque alguém estava sofrendo, logo, se der
tudo errado, eu vou precisar saber lidar com a situação, e continuar
decidindo, continuar vivendo, construindo minha história.
Porque
viver é arriscar-se, e decidir é ser livre!
*
Aplicativos cujas finalidades são relacionamentos sexuais casuais.
**
Editora Vozes – Coleção Vozes de Bolso.
***
Um esteta aqui, deve ser visto como um pensador, um poeta. Uma pessoa que
dedica-se mais à observação e contemplação das possibilidades do que à ação
efetiva. Como foi dito no texto, analisar as possibilidades e observar os fatos
não são um problema, o problema encontra-se na falta de decisão e ação diante
das possibilidades.
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