- Êpa, essa viagem foi muito rápida! - Tô com muito calor! Essa roupa laranja é um inferno. - C viu? Quase morreu. Foi um grande estouro. - Os portões da escolha foi aberto. Saiu um monte de gente de uma vez. Encavalou. - Frita pastel e coxinha Rute. - Vô leva esse pilantra no pau! Zé subiu no andaime. Maria chegou na casa de Andreia para cuidar do Pedrinho. Raimundo acabou desistindo de faltar ao trabalho. Laura faltou e comprou um atestado na praça 7. Ninguém aqui é vítima. Ninguém aqui sou eu.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Variações sobre o tempo: do o uso que ele faz de nós


João Henrique

Em O tempo, de Salvador Dali, temos uma representação de como o tempo é flácido, líquido, moldável: horas e minutos diluídos no próprio tempo. Os relógios escorregam em meio a uma paisagem sombria, desértica. Até mesmo no meio do nada o tempo se vai. O tempo se vai a todo momento. Tempo para trabalhar, para estudar, para namorar, para casar, para cuidar dos filhos, para escrever, pra isso para aquilo. Tempo pra tudo (ou tempo para nada), mas junto às voltas do tempo esfacela-se o ser. Não somos mais do que trabalhadores do tempo. Nos sujeitamos a ele e ele, por sua vez, nos impõe cada vez mais ação com cada vez menos voltas dos ponteiros.
Nos dias atuais, dos usos que o tempo faz de nós, falta-nos tempo para ser. É inconcebível um momento em que se pare para ser o que se é, pois somos o que fazemos; e fazer se insere na lógica do tempo. Compomos uma engrenagem cujo os trabalhadores e os instrumentos de trabalho somos nós mesmo e a cada feito que se vai na esteira de produção, vai também uma parte de nós. O tempo nos dita o que produzir e o mesmo tempo nos “desproduz”. O não fazer existe para os que não são. É patológico (o tempo nos ensina) o não fazer algo. Como pode você, tão jovem, não trabalhar? Como pode dormir até tarde? Como pode ficar assistindo filme? Não tem algo para fazer? Não tem nada para fazer? Como se o tempo fosse universal e o próprio tempo ditasse o uso que fazemos dele. 
De tudo você me diz: “mas há como resistir a isso”. “Nos divertimos. Saímos para beber como os amigos. Tiramos férias, etc”. Não quero ser pessimista. Há sim como resistir, mas penso que não estamos fazendo do modo correto. Contudo, também não sei dizer qual é o modo correto. Embora eu saiba, ou melhor, eu aposte, na ideia de que a fuga do tempo está nos encontros genuínos consigo mesmo e com o outro. Mas, até isso o tempo nos roubou. Outro dia, nesse tempo, saí com uns amigos e de repente um amigo, não muito interessado no assunto do grupo, vira pra mim e diz: “pega seu celular aí, vamos conversar”. Esse tempo nos tirou os encontros genuínos. “Pega o computador aí, vai trabalhar”. “Pega o livro aí, vai estudar”. “Pega a ferramenta aí, vai fazer”. “Pega, vai, pega”. O que não pode é ficar sem. Você é o que faz! Mas, sobre isso, sobre o que você faz, o que isso tem feito de você? Viciado em trabalho. Pai ausente. Estudante que não se enturma. Funcionário estressado. Mãe que não dá carinho. Que tipo de sujeito tem sido produzido pelo uso que você faz do seu tempo? Que tipo de uso tem permitido que o tempo faça de você?

Das roças que me habitam, lembro-me de quando a tardezinha, todos se assentavam à beira da fogueira (sem celular, sem internet, sem trabalho) para contar histórias e cantarolar. Éramos nós fazendo uso do tempo. Perdemos o bom senso. E a crítica diante da liquidez dos relógios, não fazemos mais. Os nós que nos ligavam não existem mais, cederam lugar às tecnologias, à produção, ao dinheiro... enfim, fizemos do tempo, que se vai em meio ao nada, o nosso próprio tempo. Fundimo-nos aos relógios que se esvaia no deserto. E, não satisfeitos, desejamos mais tempo para gastar do modo como temos feito. Não é tempo que queremos. É preciso entender que há tempo, o suficiente para ser. O que precisamos é usá-lo em nosso favor. Não falta-nos tempo! Se queremos tempo é para lidar com os nossos excessos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário